Intervenção de Álvaro Cunhal no Ciclo de debates "CGTP-IN: 25 anos com os trabalhadores"
25 de Outubro 1995
Camaradas e amigos,
Antes de mais quero expressar a satisfação por estar aqui convosco, dirigentes e militantes sindicalistas, na casa da CGTP-IN, grande central sindical de gloriosas tradições, realização, obra e legitimo motivo de orgulho dos trabalhadores portugueses. Particular satisfação pela oportunidade de intervir nesta série de colóquio dedicados ao exame e à reflexão sobre os graves e complexos problemas que na actualidade, num mundo em movimento e em mudança, se colocam à classe operária, aos trabalhadores em geral, às suas organizações e, em particular, ao movimento sindical.
Nesta série de colóquios/debate, opiniões muito diversas, contraditórias, com sentido crítico implícito ou explicitado, têm sido formuladas com grande clareza e frontalidade. Creio que ao ser convidado é para que o faça também.
A necessária brevidade de uma intervenção não permite mais do que um rápido pronunciar sobre alguns temas que se considerem prioritárias. Assim procurei fazer esperando não me alargar mais do que o âmbito do colóquio/debate comporta.
O capitalismo no fim do século XX e a necessária resposta do movimento sindical
A situação mundial no findar do século XX é caracterizada por profundas mudanças. A crescente socialização, reconversão e internacionalização dos processos produtivos, o desaparecimento da URSS e a consequente alteração radical da correlação de forças e a ofensiva global do imperialismo tentando restabelecer o seu domínio e hegemonia mundial no plano económico, social, político, cultural e militar, são traços salientes da nova situação neste findar do século.
O próprio sistema socioeconómico do capitalismo sofreu e sofre importantes alterações. A revolução cientifico-técnica, as novas e revolucionárias tecnologias, introduziram mudanças radicais na dinâmica das forças produtivas e na composição social das sociedades e das classes trabalhadoras.
A divisão internacional do trabalho, o agravar das irregularidades e desigualdades do desenvolvimento, a formação de gigantescos grupos económicos transnacionais, a criação de zonas de integração económica, política e militar e de instâncias supranacionais dirigidas pelo grande capital e por governos que o defendem e representam, as ingerências e diktats do FMI, do Banco Mundial e da ONU quando convertida em instrumento do imperialismo, são elementos e características novas do capitalismo.
Estas mudanças de carácter económico têm expressão num universal processo de reformulação e reorganização, com súbitas alterações da relação entre capital fixo e capital variável e provocam alterações igualmente profundas nas relações de trabalho e na composição social do operariado e das classes trabalhadoras em geral em termos tanto numéricos como profissionais.
Tais transformações não mudam entretanto a natureza do capitalismo como sistema socioeconómico. O capitalismo mantém e em alguns aspectos reforça a sua natureza exploradora, opressora e agressiva. São características mundiais do sistema de que nós, em Portugal temos comprovação.
Da natureza exploradora. Direitos vitais dos trabalhadores, alcançados com a luta heróica de gerações, são limitados quando não liquidados. Com as privatizações e a restauração dos grandes grupos monopolistas e do seu domínio, a destruição ou e o desmantelamento de grandes empresas e o encerramento de milhares de outras, a liquidação da reforma agrária, a desagregação do aparelho produtivo, a desindustrialização, a chamada “reconversão” e “modernização”, - são liquidados milhares de postos de trabalho e mesmo o direito ao emprego, aumenta o desemprego, multiplicam-se os despedimentos sem justa causa, recusa-se a contratação colectiva, generalizam-se a precarização, a desregulamentação e a flexibilização, impõe-se o aumento da jornada de trabalho, congelam-se os salários, negam-se salários mínimos, agravam-se as discriminações das mulheres e dos jovens e degradam-se a segurança social e serviços sociais da responsabilidade do Estado, nomeadamente da saúde, do ensino, da habitação, do ambiente.
Da natureza opressora. O patronato e seus governos, encontrando por diante a resistência e a luta dos trabalhadores, particularmente do movimento sindical, intensificam as medidas repressivas. Tendo como alvo a CGTP, são proibidas em centenas de empresas as actividades sindicais. São discriminados, despedidos, forçados a reformas compulsivas, dirigentes e delegados sindicais. São proibidos plenários. E, quando a luta firme dos trabalhadores põe em causa a ofensiva do patronato, as forças policiais, por ordem do governo, carregam brutalmente contra os trabalhadores em luta.
Da natureza agressiva. Com vista ao restabelecimento do seu domínio mundial, o imperialismo pela acção dos Estados Unidos e dos outros países mais desenvolvidos e utilizando poderosos instrumentos de controlo, direcção e intervenção como o FMI, o Banco Mundial, a NATO, instâncias supranacionais das zonas de integração (nomeadamente da União Europeia) e mesmo a ONU, procura submeter, corromper ou liquidar as forças que se lhe opõem, intervém noutros Estados, derruba governos, impõe regimes, traça fronteiras, decreta e impõe pela força bloqueios económicos, organiza acções terroristas, desencadeia agressões, intervenções militares e guerras.
Os defensores do capitalismo negam entretanto estas realidades e apresentam o capitalismo neste findar do século como um sistema não historicamente gasto e condenado, mas como um sistema renovado, democratizado, progressista e em qualquer caso sem alternativa. Com tal atitude ante a realidade, há quem vá ao ponto de definir como objectivo que os trabalhadores deveriam também adoptar “civilizar” o capitalismo. Partindo daí apontam (e não se lhes pode neste aspecto negar coerência) que o movimento sindical tem que ser completamente “refundado”, perder o seu carácter de classe, tornar-se um sindicalismo “civilizado” ou “civilizacional”, conviver com o “capitalismo civilizado”, tornar-se um elemento institucional, integrado, integrante e colaborante da ordem e do sistema capitalista ou, não sendo assim, desaparecer como tendo sido um episódio na história.
Como se já não houvesse explorados e exploradores no mundo. Como se já não houvesse governos ao serviço do capital. Como se já não houvesse Estados que asseguram os interesses e a impunidade dos grandes capitalistas e impõem com leis antidemocráticas e pela força e a violência as condições de trabalho e de vida aos que trabalham. Como se vivessemos num mundo donde tivessem desaparecido as classes, num mundo de seres humanos, que é possível unir nas relações de trabalho com reais laços de solidariedade. Estas opiniões não se podem definir como utopia. São uma grosseira falsificação da realidade em que pretende fundamentar-se a dócil aceitação pelos trabalhadores da exploração capitalista, a capitulação do movimento sindical como movimento da classe operária e de todos os trabalhadores, a desistência da luta consequente em defesa dos seus interesses e direitos.
A nossa opinião é oposta à desses defensores do capitalismo.
Os trabalhadores vivem numa situação difícil e têm por diante novas dificuldades. Mas o capitalismo também não tem diante de si um caminho fácil. Além das múltiplas contradições do sistema, na sua ofensiva visando restabelecer o domínio mundial, defronta e defrontará a luta crescente dos trabalhadores, dos povos, de nações que explora e submete, de Estados que se sentem atingidos nas suas opções e na sua independência, incluindo aqueles que, com projectos diversificados, insistem em construir uma sociedade socialista.
Neste quadro em que o capitalismo, apesar de profundas mudanças, conserva a sua natureza exploradora, opressora e agressiva, e não só não resolve como agrava os grandes problemas dos trabalhadores e liquida direitos vitais que estes alcançaram com a luta, o movimento sindical, como movimento de classe, é mais necessário que nunca.
Integração económica, “integração sindical” e independência do movimento sindical
Na internacionalização das relações económicas e do aparelho produtivo, a criação de zonas de integração aparece como necessidade objectiva do desenvolvimento.
As zonas de integração económica capitalista têm natural e inevitavelmente características determinadas pelo sistema socioeconómico. A integração económica capitalista – é o caso da União Europeia – é determinada pelos interesses e pelo objectivo do lucro dos grandes grupos monopolistas, nomeadamente das transnacionais. Têm como elemento estrutural a exploração dos trabalhadores e mesmo o seu agravamento considerado condição para a reorganização e reconversão dos meios de produção imposta pelos avanços tecnológicos ou por imperativos de concorrência.
Para assegurar tal objectivo as forças do capital precisam de enfraquecer, limitar, se possível dominar e submeter a resistência e a luta dos trabalhadores, e isto significa as organizações de classe dos trabalhadores e muito particularmente o movimento sindical.
Isto explica a razão de uma realidade que merece ser tomada como ponto central de reflexão: a institucionalização do domínio do grande capital na União Europeia inclui, entre os seus objectivos, a desagregação e desarticulação do movimento operário e sindical, a capitulação efectiva do movimento sindical, a transformação do movimento sindical num instrumento do sistema de integração económica capitalista.
A ofensiva contra os trabalhadores e o movimento sindical tem expressão em toda uma teorização e uma acção prática, com vista a alcançar como elemento da integração económica o que podemos apelidar de “integração sindical”.
Tratar-se-ia da criação, tal como na integração económica, de instâncias supranacionais que representariam os trabalhadores de todos os países membros da comunidade com decisões obrigatórias para os movimentos sindicais respectivos.
Seria, não o caminho para a defesa eficaz dos interesses dos trabalhadores, mas o caminho para a efectiva submissão das organizações dos trabalhadores às imposições das forças do capital.
Um movimento sindical integrado, com estruturas supranacionais seria um elemento da própria integração económica capitalista, imporia aos trabalhadores e ao movimento sindical dos países membros a defesa de reivindicações internacionalizadas que no concreto poderiam abafar, conter, contrariar, trair a luta por legítimas reivindicações dos trabalhadores e suas organizações sindicais nos vários países.
Tais concepções, planos e projectos são desenvolvidos a nível internacional e europeu e, no que respeita a Portugal, incidem sobre a CGTPIN com um grande conjunto de pressões de carácter ideológico e não só.
É curioso notar que em defesa de tal integração se têm pronunciado de modo mais categórico uma série de pessoas com elevadas funções e responsabilidades no Estado, destacados militantes de partidos de direita, universitários que cogitam nos seus gabinetes, historiadores que, negando ou omitindo factos essenciais, procuram reescrever a história.
Os termos em que tais conselhos têm sido dados ao movimento sindical são variados. Mas tanto afirmações genéricas como indicações concretas traduzem uma mesma ideia e o mesmo sentido de pressão ideológica. Ouvimos que, em sociedade e economia globalizadas, a única resposta que os trabalhadores têm é internacionalizarem também as suas próprias organizações e reivindicações, através de estruturas que os possam representar a nível europeu, a nível regional e segundo alguns mesmo mundial. Ouvimos claramente defender estruturas sindicais supranacionais. Ouvimos com o mesmo sentido em linguagem mais prudente defender a construção de uma “casa comum” integrando um sindicalismo à escala europeia.
Alguns comentadores, na sua pressa, adiantam desde já a falsa ideia e estulta esperança de que a adesão da CGTP-IN à CES, significa a “subalternização política” (assim é dito).
É esclarecedor da concepção da “integração sindical” como elemento da “integração europeia” capitalista no quadro da União Europeia, o facto de que defensores da instituição e institucionalização de instâncias supranacionais para o movimento sindical defendem também que o movimento sindical de todos os países da Comunidade Europeia e no concreto a CGTP deveriam desde já apoiar o Tratado de Maastricht.
Os aspectos fundamentais deste Tratado são conhecidos. Reforça uma estrutura federalista com órgãos supranacionais nos quais o poder efectivo é dos países mais ricos e mais desenvolvidos em detrimento dos interesses e direitos dos menos desenvolvidos em detrimento dos interesses e direitos dos menos desenvolvidos e mais pobre como é o caso de Portugal. Estabelece a submissão das políticas dos Estados membros a “políticas comuns” decididas nas instâncias supranacionais. Impõe a tão malfadada e mal conhecida “convergência nominal” com inevitáveis repercussões de agravamento da situação dos trabalhadores. A não ser revisto, o Tratado para Portugal representaria uma política que continuaria a agravar as condições de trabalho dos trabalhadores, acentuando o desemprego, a precariedade, a liquidação de direitos sociais, a marginalização e exclusão de vastos sectores.
Ao contrário desta teorização, defendemos que a integração económica, diplomática e militar do capitalismo monopolista sobretudo pelo estabelecimento e institucionalização de uma integração política de tipo federalista, exige, da parte dos trabalhadores e muito particularmente do movimento sindical, a resistência a condições desfavoráveis, o reforço da sua natureza de classe, da sua organização, da sua unidade e da sua luta.
Mas que fique claro. A recusa à integração sindical, à submissão a decisões e estruturas sindicais supranacionais obrigatórias não significa que a internacionalização da economia, a integração económica, a transnacionalidade das maiores empresas que actualmente dominam o mundo capitalista, não exijam, aliás nas tradições do movimento sindical de classe (essas sim “as melhores” tradições) a cooperação, o entendimento, a acção comum, mesmo a criação de estruturas internacionais em que participem os movimentos sindicais dos vários países, no concreto com particular importância, na União Europeia.
Mas o internacionalismo de classe e a cooperação e unidade de movimentos sindicais livres e independentes não se pode confundir com a submissão a instâncias supranacionais dominadas por posições de capitulação a colaboracionismo com o grande capital.
Para defender os interesses e direitos dos trabalhadores, o movimento sindical (e falando na CGTP-IN, a CGTP-IN merece a referência) tem absoluta necessidade de garantir a sua independência, os seus objectivos e não aceitar decisões supranacionais que limitem, contrariem ou impeçam a sua definição própria das reivindicações dos trabalhadores portugueses e do sentido da sua acção.
A chamada “crise sindical”, e o caminho para superá-la
O movimento operário e particularmente o movimento sindical vive neste findar do século XX novos e graves problemas e atravessa sérias dificuldades e obstáculos que obrigam a uma serena reflexão, com vistas a determinar a sua orientação, acção e perspectiva. À situação que comporta tais problemas, dificuldades e obstáculos se tem chamado “crise sindical”.
Aspectos geralmente apresentados são a diminuição da sindicalização e de sindicalizados, o enfraquecimento das estruturas de base e da sua ligação às massas trabalhadoras, a menor disponibilidade para o exercício de responsabilidades nas estruturas, a menor dinâmica de luta e as dificuldades financeiras para manter a organização ao mesmo nível. Tomando a expressão de “crise sindical”, interessa considerar quais são as suas causas mais directas.
Apontemos duas.
A primeira (de natureza objectiva) são as profundas alterações na base social do movimento operário e sindical. Ou seja: as alterações da economia e o desenvolvimento do capitalismo e dos meios de produção resultantes das novas e revolucionárias tecnologias, da mobilidade dos processos produtivos a nível nacional, europeu e mundial, a reconversão e reestruturação de sectores e de empresas e as consequentes alterações quantitativas e qualitativas na composição da classe operária e da massa de assalariados, a fragmentação e mobilidade profissionais, os despedimentos em massa e a liquidação de postos de trabalho e de garantia do emprego, a precariedade, vastos sectores marginalizados e excluídos.
A base social do movimento operário e sindical torna-se assim mais frágil, instável, movediça e com reduções verticais em alguns sectores que, têm sido e continuam a ser esteios particularmente combativos e de elevada consciência de classe.
A segunda causa directa das dificuldades que defronta o movimento sindical é a repressão do movimento operário e sindical que acompanha a grande ofensiva mundial do imperialismo com a imposição do agravamento da exploração e a liquidação de direitos dos trabalhadores. O patronato reaccionário, com a impunidade garantida por governos que efectivamente o representam, impõe leis antidemocráticas ou desobedece à legalidade, proíbe reuniões de trabalhadores e activistas sindicais nas empresas, discrimina, persegue, despede delegados e activistas sindicais.
Estas duas causas de carácter objectivo são por vezes secundarizadas, raramente contestadas, A grande controvérsia expressa-se quando se trata de examinar quais podem ser os elementos de carácter subjectivo da chamada crise sindical, ou seja, o que nessa crise se pode considerar de responsabilidade na natureza, na concepção, na identidade, na orientação relativa ao futuro do movimento sindical, mais concretamente das organizações sindicais, das centrais sindicais.
A controvérsia respeita ao movimento sindical considerado no vasto âmbito do mundo e particularmente na Europa neste findar do século. Aqui em Portugal respeita naturalmente com particular incidência ao movimento sindical português.
Uma ideia central de alguns teorizadores é a de que, tendo o capitalismo mudado de natureza, o movimento sindical deve mudar também. Não com a ideia de que o movimento sindical, mantendo a sua natureza de classe, deve responder criativamente às alterações da situação. Mas sim a ideia de “refundação” (como alguns dizem), de “refundação profunda” (como acentuam outros) do movimento sindical.
Com esta ideia central há naturalmente nuances de opinião. Mas todos partem em geral da aceitação de que não só o capitalismo está definitivamente consolidado e é o sistema a quem caberá resolver os problemas humanos, incluindo os dos trabalhadores, como de que o capitalismo mudou a sua própria natureza, passou a ser diferente e melhor, passou a ser o tal “capitalismo civilizado” de que falam alguns. Dantes os arautos do capitalismo apregoavam a necessidade da conciliação de classes. Agora fala-se em “solidariedade” (distorcendo o seu sentido, incluindo o de origem cristã) dando a esta palavra o sentido de conciliação e colaboração com as forças do capital. Nesta ordem de ideias, há quem vá ao ponto de anunciar que o movimento sindical perdeu a razão de ser da sua existência, deve ser substituído ou mesmo desaparecer das sociedades. Talvez já perto do ano 2000, como alguém chegou a admitir.
Todas estas teorizações não apenas apresentadas e desenvolvidas em termos genéricos e abstractos. São avançadas em termos concretos dirigidos à CGTP. São inseparáveis das concepções (como atrás referimos) da “integração sindical” da CGTP no quadro da integração económica da União Europeia. São também inseparáveis (como adiante referirei) da contestação da CGTP-IN como central sindical de classe, autónoma, unitária e democrática, identidade que está na raiz da sua história, da sua força e papel sem paralelo na defesa dos interesses dos trabalhadores portugueses e na instauração e institucionalização do regime democrático após quase meio século de ditadura fascista.
Uma das questões que tem sido frequentemente apresentada como causa da “crise sindical”, segundo alguns como o mal dos males do movimento sindical português com referência explícita à CGTP-IN é o que chamam “a partidarização dos sindicatos”. Um teorizador apressadamente obcecado pela sua ideia vai ao ponto de atribuir “a não sindicalização” a tal partidarização. Sabe-se que estas opiniões não se referem a partidos que organizam e tornam pública a sua tendência sindical partidária e que tal já têm tomado publicamente posição contra tal ou tal decisão da CGTP. Não. Para sermos claro (porque aqueles que expõem essas ideias, também o são) a acusação de “partidarização dos sindicatos” e “hegemonização partidária” refere-se o PCP e à grande influência dos comunistas no movimento sindical unitário português.
Há mesmo quem, no excesso do seu pensamento, tenha explicado como um dos elementos da “crise sindical” o facto de o PCP ter levado para o movimento sindical aquilo a que chamam “a crise do PCP”, quando, se nestes termos se quisesse falar, então haveria que dizer que a verdade é haver quem queira levar a própria “crise de opção política” para o movimento sindical.
A saída da “crise sindical” para a CGTP-IN seria a redução, se não o afastamento, da influência dos comunistas no movimento sindical.
Acrescente-se que, de forma explicitada há quem defina mais claramente o seu objectivo. O que pretendem afinal não é o reforço da CGTPIN com a diminuição da influência e do papel dos comunistas, mas o enfraquecimento do PCP por perder influência no movimento sindical. Há um comentador que proclama triunfante que “sem a CGTP-IN desaparece o PCP”.
Não se entranhe pois que neste colóquio realizado na casa da CGTP-IN, eu diga algumas palavras sobre esta questão, tanto mais que nesta mesma casa e nesta mesma série de colóquios outros intervenientes a levantaram.
A influência dos comunistas no movimento sindical não resulta de qualquer imposição ou ingerência partidária, Resulta, em termos históricos, do papel que os comunistas tiveram na organização e dinamização da luta dos trabalhadores e nas organizações e luta de carácter sindical nas duras condições de repressão fascista durante dezenas de anos. Resulta do papel (que muitos esquecem e outros muito voluntariamente omitem) dos comunistas (além de trabalhadores de outras tendências políticas, cujo papel também sempre valorizamos e continuamos valorizando) na criação, dinâmica e actividade da CGTP-IN. Resulta (não de imposições externas e muito menos da vontade que alguém teria que intervenções de topo impedissem a expressão da vontade das bases) da confiança que os trabalhadores têm continuado a depositar em seus companheiros comunistas para as várias estruturas e responsabilidades nos sindicatos, nas Uniões e Federações, e na Central.
A nosso ver, as dificuldades, obstáculos, novos problemas que defronta o movimento sindical, não resultam da sua natureza e identidade de classe, da sua luta corajosa em defesa dos interesses e direitos dos trabalhadores contra a exploração e opressão do grande capital e governos que o servem e da influência dos comunistas, a que indiscutivelmente os trabalhadores e o movimento sindical devem uma contribuição de valor para os seus êxitos e a sua força.
A nosso ver para superar a chamada “crise sindical” o necessário não é uma “renovação total”, uma “refundação” do movimento sindical eliminando aspectos que consideramos essenciais da sua identidade. Mas, pelo contrário, encontrar a capacidade, a força, a iniciativa, a resposta criativa à nova situação e aos novos problemas no reforço de aspectos fundamentais da sua identidade, nomeadamente a sua natureza de classe, a sua autonomia, a sua unidade e a sua democracia interna.
O valor insubstituível para os trabalhadores de um sindicalismo de classe
É tanta a insistência dos que negam as mais evidentes realidades da sociedade capitalista, incorrecta e pudicamente apelidada de “economia de mercado”, que difícil é concluir se discorrem porque não querem ver a realidade ou se, vendo a realidade, a negam na teoria por virtude dos seus objectivos práticos.
Dê-se a Marx o que a Marx se deve. Não se lhe atribuam descobertas que, segundo ele próprio, já antes tinham sido feitas por outros. É o caso da divisão da sociedade em classes e da luta de classes na sociedade. A expressão “luta de classes” é tratado por alguns como uma expressão maldita como qualquer ideia revolucionária que os marxistas querem trazer a uma sociedade em que a realidade correspondente não existisse. E entretanto ela aí está à vista de alto a baixo em toda a sociedade. Nos locais de trabalho. Na vida política e social de todos os dias. Na natureza, decisões e acção dos governos. No tratamento diferenciado do Estado; defensor, condutor e protector do patronato e impondo pela força a exploração aos trabalhadores.
Desta realidade, que a evolução e as mudanças das estruturas socioeconómicas não alteram, inferimos uma primeira conclusão: que sindicatos dos trabalhadores, sindicatos de classe, com profunda ligação às massas e participação de massas, são não só necessários, mas mais necessários que nunca.
Não é esta naturalmente a opinião que se desenvolve na grande ofensiva contra o movimento sindical.
Inseparável das concepções, propostas e projectos relativos à “integração sindical” no quadro da União Europeia e a “refundação” ou “renovação total” do movimento sindical, aparece com clareza meridiana a ideia de que a natureza de classe do movimento sindical é uma ideia ultrapassada, porque o mundo sofreu mudanças tão grandes que já não se pode falar de luta de classes e porque o grande objectivo que deve também ser o dos trabalhadores é um “capitalismo civilizado”.
Curioso. Não ouvimos contestar o direito de constituição e acção de associações de classe dos capitalistas, dos grandes industriais, dos representantes directos do capital financeiro, os mesmos que consideram obsoleta a existência de um movimento sindical de classe, do operariado e dos trabalhadores em geral.
Algumas concepções são particularmente esclarecedoras. Pretende-se que, neste findar do século, o movimento sindical se deve converter num movimento em que os trabalhadores intervêm na sociedade, não tanto como trabalhadores, mas “como cidadãos”. Diz-se que a “experiência de cidadania” tenderá a sobrepor-se à “experiência do trabalho” donde resultará “uma transferência progressiva da identidade operária para a identidade cidadã”. E nesse sentido aponta-se o objectivo de fazer um trabalho de educação dos sindicalistas libertando-os da “ideia abstracta do patrão como inimigo”.
A mesma ideia com diferente expressão verbal é a de que o movimento sindical deve ter como “objecto da própria acção (…) a pessoa mais que a classe ou grupo social” ou por outras palavras, numa terceira formulação, “o homem é pessoa e é nessa qualidade que se assume e deve ser assumido como sujeito de direito”.
Os sindicatos deixariam de ser sindicatos de trabalhadores, sindicatos de classe, para serem sobretudo sindicatos (se é que este nome continuaria a ser legítimo) de cidadãos”, de “pessoas” ou mesmo, como sublinha um teorizador de “indivíduos”. Apagada e omitida, a oposição capital-trabalho, patronato-trabalhador, capitalistas e trabalhadores, patrões e trabalhadores, os trabalhadores passariam a ser nas suas organizações apenas “cidadãos”, apenas “pessoas”, apenas “indivíduos”. É a teoria corrigida da reconciliação de classes, do corporativismo caricaturalmente ilustrado pela noção aumentada e alargada da “lareira comum da freguesia” de Salazar.
Estas concepções teóricas, profusamente defendidas em longas dissertações, têm objectivos práticos muito concretos e imediatos.
Podem destacar-se dois.
Um é a corresponsabilização assumida directamente pelo trabalhadores e pelo movimento sindical no desenvolvimnto capitalista dirigido pelo patronato, pelas forças do grande capital e dos seus governos. Admitindo pela revolução tecnológica a inevitabilidade da “reconversão” e “reorganização” do tecido produtivo, e que esta determinaria objectiva e inevitavelmente a redução e a precariedade do emprego, apontam ao movimento sindical, como caminho da sua “refundação”, a aceitação nesse processo dos sacrifícios de classe que implica. Daí concluem alguns que a empresa é uma entidade de interesse público em cujo resultado estão igualmente interessados capitalistas e trabalhadores, que a produtividade e a competitividade das empresas “já não é apenas um problema dos patrões” mas também dos trabalhadores e (e esta é a ideia principal) que os trabalhadores devem aceitar a situação e os sacrifícios e colaborar com os patrões nessa reorganização.
A tal atitude de conformação e capitulação que aconselham chamam alguns um caminho criativo de “participação”.
Daqui (como segundo caminho indicado ao movimento sindical) resulta logicamente a ideia (muito explicitamente defendida) de que a luta reivindicativa dos trabalhadores e do movimento sindical deve dar lugar a uma intervenção colaborante com o patronato aceitando as inevitáveis consequências gravosas do desenvolvimento capitalista tal como o quer impôr o grande capital e não insistindo na luta reivindicativa.
Seria um “grave desvio” por exemplo insistir em aumentos salariais quando se prevê o aumento do desemprego. Devia acentuar-se o desemprego sem assegurar novo emprego aos trabalhadores despedidos porque muitas empresas “devem ser fechadas porque são inviáveis”.
Critica-se (e alguns atribuem directamente a responsabilidade ao PCP) o movimento sindical português nomeadamente a CGTP de privilegiar “O sindicalismo de contestação” e alerta-se para que “o sindicalismo de contestação corre o risco de desaparecer”. A luta reivindicativa dos trabalhadores seria” tentar conservar um sistema produtivo condenado”.
Daqui, uma terceira ideia ligada à “refundação” do movimento sindical: o caminho da concertação social, (sem já falar de “pactos de regime”) substituindo por esta via institucional e cada vez mais distante das massas trabalhadoras, a contratação colectiva e a luta reivindicativa nas empresas e variados sectores profissionais.
A concertação social seria a sede para alguns a sede fundamental e verdadeiramente decisória, das relações de trabalho e concebida, como tem sido sempre concebida no sistema existente e noutros sistemas propostos, uma negociação com três representações: dos trabalhadores por via dos sindicatos e do patronato por via das organizações patronais e pelo governo, um governo que nada tem de “árbitro” e de “neutral” mas é sim defensor e representante dos interesses do patronato.
Ao movimento sindical caberia a função de colaborar com os patrões nas empresas, de desistir do “sindicalismo de contestação”, da luta reivindicativa, da contratação colectiva, de se curvar à vontade maioritária do patronato/governo nos organismos de concertação social.
A concertação social como a sede para onde se deveriam desviar e concentrar as decisões relativas às relações laborais e aos interesses e direitos dos trabalhadores, expressa os seus claros objectivos na proposta de lei do PSD, partido do governo de direita clamorosamente derrotado nas últimas eleições, de substituir e institucionalizar em termos de lei as Comissões de Trabalhadores nas empresas como Comissões de Concertação Social e também na ideia exposta por um teorizador segundo o qual os objectivos da luta sindical e de empresa necessitam de ser avaliadas “a níveis de luta e de negociação em sede de concertação nacional e internacional”.
Justifica-se naturalmente que, na situação concreta existente, não para entrar num esquema de colaboracionismo de classes, mas para defesa dos interesses e direitos dos trabalhadores, o movimento sindical unitário, por voluntária decisão própria, participe no Conselho de Concertação Social. Essa intervenção é tanto mais útil aos trabalhadores, quanto mais o movimento sindical se afirme e mostre sê-lo pelas suas decisões, orientações, iniciativas e lutas, um sindicalismo de classe, como uma das características do movimento sindical português e da CGTP-IN que, a par da autonomia, da unidade e democracia interna sempre consideramos como elemento da sua identidade.
Autonomia, democracia, unidade
Para terminar, permitam-me ainda algumas palavras sobre estes três elemntos que, com a natureza de classe, constituem elementos fundamentais e inseparáveis do movimento sindical unitário: autonomia, unidade e democracia.
A autonomia e independência do movimento sindical significam a nossa ver antes de mais autonomia e independência em relação às forças do capital, incluindo aos governos que as defendem e representam.
Há numerosos exemplos no movimento operário internacional, de organizações sindicais que são efectivos instrumentos do patronato, por vezes seus agentes e defensores contra os interesses, os direitos, as justas reivindicações dos trabalhadores. São em alguns casos directamente comandados pelas forças do grande capital. Tais organizações nada têm a ver, no nosso entendimento, com a razão de ser da organização e acção dos sindicatos dos trabalhadores.
Este primeiro aspecto da autonomia e independência do movimento sindical concretiza-se naturalmente não só na firme oposição a governos que com a sua política sirvam e imponham os interesses reais do capital, não só nas decisões e actuações concretas em defesa dos interesses dos trabalhadores, mas também no campo ideológico, opondo-se e esclarecendo os trabalhadores do significado das teorizações, nomeadamente relativas ao movimento sindical de classe e a sua aceitação de formas diversas de capitulação ante os interesses e imposições do patronato.
Um segundo aspecto, e este é quase o único geralmente referido é a autonomia e independência do movimento sindical em relação aos partidos.
Este aspecto da autonomia e independência significa antes de mais a nosso ver que o movimento sindical não receba instruções de partidos, recuse ser instrumentalizado por partidos, não seja uma “correia de transmissão” de tal ou tal partido e decida por si, nas suas estruturas próprias e segundo as normas do seu próprio funcionamento, a sua orientação e actuação.
No concreto, este elemento importante da identidade não exclui, antes encara como inevitável, desejável e natural que no movimento sindical e nas estruturas, incluindo as de direcção a todos os níveis, participem trabalhadores de diferentes filiações e opções partidárias. Mas nos seus organismos, nas suas intervenções e nos seus votos, intervêm não como membros ou simpatizantes de tal ou tal partido, não como fracções políticas, mas como militantes sindicalistas.
Esta questão coloca necessariamente uma outra de que esta se não pode desligar: a democracia interna do movimento sindical.
Democracia interna significa não apenas inteira liberdade nas assembleias, plenários, reuniões de organismos mais diversos, de defender opiniões, não apenas o direito e votar e de ser eleito para os diversos organismos e responsabilidades, mas o direito de participar nas orientações e decisões.
A organização e afirmação pública de tendências sindicais partidárias, intervindo como tal na vida sindical e publicitando as suas posições como tendência dentro da CGTP-IN, eventualmente discordando e criticando orientações e decisões da Central, a nosso ver não só não reforçam mas comprometem a democracia sindical interna, assim como não só não reforçariam mas contrariariam a unidade do movimento unitário. Se cada partido organizasse a sua tendência sindical, interviesse como tal na vida sindical e como tendência político-partidária, tornasse públicas as suas opiniões relativamente às orientações, decisões do movimento, a democracia sindical seria praticamente destruída, substituída pelos conflitos partidários nas suas próprias estruturas, tendendo à efectiva instrumentalização do movimento sindical e de cada uma das suas estruturas frontalmente contrária à sua autonomia e independência.
A autonomia e independência em relação aos partidos é a nosso ver contrariada pela instauração de tendências ou fracções político-partidárias organizadas e actuando independentemente na central e eventualmente contra a central. Seria naturalmente de contrariar qualquer projecto de que os partidos e sectores sociais e religiosos com actuação no movimento sindical se entendessem em acordos de cúpula relativos a uma partilha de influência e até de cargos no movimento sindical.
A democracia interna sem conflitos partidários é um elemento da vida normal de todas as estruturas do movimento sindical unitário, estruturas que se impõe reforçar da base ao topo ao contrário de algumas ideias de que devem diluir-se na massa trabalhadora e deixar de ter quaisquer fronteiras orgânicas.
A natureza de classe, a autonomia e a democracia interna são os factores que melhor podem assegurar a unidade do movimento sindical unitário.
A CGTP-IN tem dado através dos anos um exemplo raro no mundo actual de um forte movimento sindical realmente unitário.
Justificam-se assim as últimas palavras desta intervenção.
A calorosa e fraterna saudação à CGTP-Intersindical Nacional pelo 25.º aniversário da sua criação e por tudo quanto representa e significa para a classe operária, para todos os trabalhadores, para a democracia, para o povo português e para Portugal.
A saudação igualmente fraterna e com real apreço ao seu valor a todos os sindicalistas das mais variadas tendências políticas e credos religiosos que, da base aos órgãos mais responsáveis, participam na vida, na intervenção e na luta da CGTP-IN grande e insubstituível central sindical dos trabalhadores portugueses.
Lisboa, 25 de Outubro 1995